sexta-feira, 28 de março de 2008

Alguém me disse que eu tinha asas. Longas e crescentes asas... e que elas me levariam a lugares incríveis, totalmente desconhecidos.. lugares que me desafiariam a cada dia. Alguém me disse q eu era prodígio. E esse alguém não sabe se ele esta dando asas a um anjo ou a uma cobra.
A borboleta demora muito tempo para tomar sua forma.. por muito tempo se arrasta. Come o que há de mais descartável do chão. E enfim, ganha a liberdade... Porém, apenas após mais um longo período de solidão... solidão de casulo. Solidão apertada, cruel.
Precisa ela se conhecer para ganhar a falta de limites do céu? Ou terá, mesmo a borboleta, limites na imensidão? Qual é o preço por ganhar altura sem estabilidade nas asas? Viva a filosofia do cinema pipoca: Não importa quantas vezes vc apanha, mas sim quantas vezes consegue se levantar do chão.
Viva a ética dos limites conscientes... e que eles se confundam com medo, não importa. O medo move o homem, e move também as borboletas.
Alguém me disse. E esse alguém realmente se importa: com suas próprias asas, com as asas de quem segue, sem querer, o mesmo caminho. Onde está o altruísmo de confiar nos outros? Dentro de nossas próprias razões. Às vezes espelho. Às vezes futuro. Nunca o Outro, sempre nós mesmos.
Alguém me disse. Alguém se importa com alguma coisa nessa vida. E, sei lá porque, eu cruzei esse caminho traçado por outrem. Sou a bola da vez... I realy wish...
Almodóvar: o cineasta que não erra”. Esse era o título da crítica escrita por Ricardo Calil que li minutos antes de entrar na sessão de “Má educação”, última obra prima do diretor/roteirista/produtor. Entrei com um certo receio do que poderia encontrar afinal, acho que todo mundo sabe o que fatalmente acontece quando se espera demais de um filme: via de regra, a decepção é quase inevitável. E nada mais “animador” do que o comentário do colunista. Enfim, após uma sessão literalmente hipnótica, o que mais consigo me lembrar de externo ao filme é a maldita frase acima. O pior é que a cada cena que se passava essa idéia se fixava mais em minha mente e, após 105 minutos maravilhosamente aproveitados e minha cabeça dando voltas, saí do cinema repetindo quase que mecanicamente o quanto era infeliz por não ter dito essa frase antes dele. “Má educação” é, indiscutivelmente, um clássico Almodóvar. Um filme noir da melhor categoria, como gosta de classificar o espanhol. Tomo a liberdade de citar mais uma vez a coluna de Calil quando o mesmo afirma que, após uma década ininterrupta de grandes obras ( “A flor de meu segredo” de 1995, “Carne trêmula” de 1997, “Tudo sobre minha mãe” de 1999, “Fale com ela” de 2002 e o recente “Má educação” ), Almodóvar merece um diploma de mestre. Talvez pela escassez de competência que tem assolado o mundo do cinema nos dias de hoje, talvez pela ousadia de seus filmes e acima de tudo a sensibilidade e o respeito que ele tem para com o seu público. Seu grande trunfo é respeita-lo como pessoas pensantes e não apenas como fonte inesgotável de dinheiro. O reconhecimento não tardou: o filme foi a primeira produção espanhola a ser escolhido para abrir o festival de Cannes deste ano. Não esquecendo da enorme bilheteria que rendeu ao festival do Rio, também deste ano.O filme começa com a visita de Ignácio ( Gael Garcia Bernal ) a Enrique ( Fele Martinez ), antigo amigo de escola, com quem viveu um amor infantil. Na época em que tiveram um romance, Ignácio sofria com o amor, nada platônico, do padre Manolo ( Daniel Gimenez Cacho ) que, em um ataque de ciúmes, expulsa Enrique da escola, separando os dois meninos. Vinte anos mais tarde, Ignácio tornou-se um ator e procura Enrique, agora diretor renomado, na expectativa de conseguir um trabalho em seu novo filme. Em uma crise criativa, Enrique vê-se diante de um roteiro escrito por Ignácio, baseado na história da vida deles e resolve desenvolver o tema, dando a Ignácio um dos papéis principais.Tendo como pano de fundo a igreja católica, os bastidores do cinema e o já conhecido mundo travesti de Almodóvar ( “Tudo sobre minha mãe” é o melhor exemplo disso ), a história se desenrola abordando temas como pedofilia, homossexualismo, ética religiosa e, acima de tudo, o amor, seja ele com a pureza infantil, seja com a hipocrisia cristã (?!) ou, ainda, como esconderijo de interesses maiores.A abordagem homossexual é, durante todo o filme, um misto de grosseria com sutileza. Se, de um lado, temos cenas de sexo nada convencionais aos olhos hollywoodianos da maioria da platéia, por outro, temos a força de um amor ( na verdade dois ), que ultrapassou os anos e todos os obstáculos morais que encontrou pelo caminho. Aliás, esse Almodóvar é indiscutivelmente o mais amoral de seus filmes. Sem críticas, apenas levando em consideração o que se afirma como moral nos dias de hoje. Manolo ama Ignácio, que ama Enrique, que ama Ignácio. O triângulo amoroso se fecha da forma mais realista que podemos conceber. Vence o mais forte. Neste caso, a força veio representada pela batina católica e pelo ambiente sagrado de um colégio de padres para meninos. E Manolo vence de quase todas as formas que podemos imaginar. Através de sua pedofilia, que, por sinal, vai muito além da sua condição de padre, marcou a vida de duas crianças, principalmente a de Ignácio, que acaba por viver sua vida em função de tudo o que lhe aconteceu no passado. A ligação entre amor e tabu torna o filme irresistivelmente forte e diferente de tudo o que se vê nas telas. E é através da agressividade daquelas cenas que conseguimos repudiar, deglutir e, quem sabe, com um pouco de boa vontade, rebatê-las na cabeça para tentar entender toda a sutileza paradoxal a qual o filme se propõe.
A questão que envolve a crítica ao catolicismo tem sido extremamente abordada por críticos, que se dividem entre a aceitação e o repudio do estilo de Almodóvar. Se o filme é uma crítica a igreja? Não sei. Depende diretamente da sua forma de enxergar esse tema. A igreja pode ser apenas um pano de fundo para um caso de pedofilia “normal” que poderia acontecer a qualquer homem, seja ele de “Deus” ou não. Se você humaniza as figuras santas da Igreja Católica, dificilmente irá achar que a intenção de Almodóvar era tomar partido de uma guerra. Aliás, se você conhece um pouco do trabalho dele, verá que, possivelmente ele resolveu dar uma batina a figura de Manolo, para criticar a hipocrisia das pessoas em geral. É como um grande símile. Apenas uma forma de chocar para que o recado seja dado com exatidão. Mas ainda temos o outro lado. Para um público cristão, que aplaudiu “Paixão de Cristo”, por exemplo, o filme de Almodóvar vai soar como uma provocação direta. Dificilmente o filme atingirá esse público positivamente.A última grande referência do filme é uma verdadeira declaração de amor ao cinema. Lembrando melancolicamente “A noite americana” de Truffaut, o filme se passa ora em um set de filmagem, ora no interior de um roteiro. É um filme dentro de outro durante todo o tempo. Quem vai ao cinema não pode, em momento algum, separar as histórias da qual o filme é composto. Tentar fazê-lo é o único erro possível de ser cometido. Você não precisa entender o que Almodóvar quis dizer com isso ou aquilo. Você deve apenas olhar a tudo com o máximo de atenção e com a cabeça mais aberta possível. A sensação é sua, a resposta é exclusiva. Com interpretações absolutamente brilhantes de todo o elenco ( com uma atenção especial ao promissor Gael, que domina 4 personagens de uma forma assustadoramente natural ) e uma fotografia atenta à sensibilidade do roteiro, o filme desponta como um dos melhores do ano. E ainda, como um dos melhores do próprio Almodóvar. Meus aplausos permanecem de pé e convidam todos a um deslumbramento cinematográfico pouco visto no roteiro usual dos cinemas.
Como recém leitora do original de Dostóievski “Crime e castigo”, acho que um comentário apático sobre o filme “Nina”, é a forma mais natural de resultado que poderia se concretizar em minha cabeça. Não que, no geral, o filme não seja bom. O problema que assola o longa é aquele clássico que abate todos os profissionais que tentam se basear em grandes obras: por mais que se tente, nunca se chegará aos pés da complexidade descrita nas páginas de um bom livro. Ainda mais quando o propósito do mesmo é apresentar um romance psicológico, da melhor qualidade, com todas as sinistras nuances que, entrelaçadas, compõe o enredo. A escapatória utilizada pelo roteirista de “Nina” foi apenas a de se inspirar “livremente” no livro e não se basear totalmente no mesmo. Isso de uma certa forma alivia a pressão que é fazer jus a poderosa narrativa de Dostoievski. Mas não tira do livro a responsabilidade de manter a história coesa tanto para quem leu o livro como para quem não teve esse prazer. O erro de “Nina” está aí. O filme começa com a narrativa, ao fundo, ( na voz da própria Guta Stresser – protagonista do filme ) explanando uma teoria pertencente a Raskólnikov ( protagonista de “Crime e Castigo” ), que explica, de certa forma, todo o processo que o fez cometer o crime chave da história. Nessa teoria ( criada por ele ) ele defende a existência de 2 tipos de seres humanos: Os ordinários e os extraordinários. Os primeiros estão no mundo simplesmente pela sua própria existência e a sua função é a de mover o mundo. Os segundos, estão pré-destinados a mudar o mundo e a fazer história, mesmo que para isso seja necessário que eles cometam um crime. A teoria tem profundo efeito sobre o personagem de Dostoievski, mas não parece surtir o mesmo efeito em Nina, mesmo que o início do filme dê a entender que será desta forma. Por mais que esta seja pronunciada pela personagem logo no início, o desenrolar da história não nos convence de que ela realmente se considere um desses seres extraordinários. O que nos apresentam ao longo do filme é uma menina perdida, apenas perdida, como milhares de outras que podemos encontrar por aí. O personagem de “crime e castigo” não era como qualquer um. Era uma pessoa de inteligência impar – fascinado pelos feitos de Napoleão, diga-se de passagem – que acreditava que seu crime era justo pois através dele uma pessoa como “ele” poderia cumprir o seu destino, concluindo os seus estudos e viabilizando assim, todo o seu poder sobre os outros.
No caso de Nina, percebemos uma garota de certa forma mimada, que acredita ser injustiçada pelo estilo de vida que leva. Ao que tudo indica ela era uma menina que tinha tudo o que precisava em uma cidade de interior onde vivia com os pais ( embora o rasgo na figura do pai em uma foto indique que ela provavelmente teve problemas com ele. Fato que pode ter sido o propulsor da sua saída de casa, mas tudo isso é meramente indicativo no filme ). Saída de casa, foi tentar a vida na cidade grande, no caso São Paulo, onde foi morar em um quarto alugado na casa de uma velha abismal. Logo a sensação de injustiça começa a brotar no peito da protagonista, quando a proprietária do imóvel, nada receptiva ou solidária a sua situação, começa a negar-lhe comida e abrir correspondência para roubar o dinheiro que a mãe lhe enviava. As semelhanças entre o filme e o livro se mostram em pequenos detalhes que pouco tem real semelhança entre si. O personagem do livro tb não trabalhava mas o fato é justificado pelas suas horas infinitas esticado em seu divã, mergulhado na loucura de sua teoria. Já Nina, larga seu emprego simplesmente por não agüentar a rotina de ser um ser ordinário e por querer ser diferente sem viabilizar meios para isso. Taí a grande diferença entre os dois personagens. Raskolnikov “está trabalhando” mesmo que mentalmente para atingir um objetivo de vida. Nina é levada pela vida, insatisfeita, mas não enxerga nada que possa tira-la dali. Por isso se submete ( na maioria das vezes ) as maldades da velha proprietária, á procura de alguma migalha de vida que possa lhe impulsionar. O desespero de Nina aumenta quando ela é expulsa do local onde mora ( detalhe que o filme nos mostra uma figura tão sinistra personificada na velha que chegamos a ficar com pena de Nina. Mas não podemos esquecer que qualquer pessoa que não pagar as suas contas devidamente seja despejada, por uma alma ruim ou boa, simplesmente porque a vida é assim ). Ou seja, a meu ver, o crime que Nina comete matando a velha, não tem nada a ver com uma tentativa de melhorar sua vida ou ainda com a teoria da existência de seres extraordinários que seriam passíveis desse tipo de crime. Ela o faz pura e simplesmente por desespero e raiva momentânea ao que nos passa.

Porém o que mais nos intriga no filme é o fato de, no final dele, termos uma certa dúvida da própria existência do crime em si. Os devaneios de Nina lembram um pouco os de Raskolnikov (inclusive o sonho do espancamento do cavalo foi retirado integralmente do livro), mas a tosse que ela escuta constantemente no corpo da morta ou a figura de dois “caras” perseguindo-a, torna a cena extremamente surreal. No livro, por mais que várias vezes o leitor se depare com devaneios do protagonista aparentemente inexistentes, em seguida tudo se explica e a situação adquire muito mais força. No final, Nina parece ser “absolvida” de seu crime, cuja existência deixa dúvidas, ao meu ver, proposital. Mas sua existência sombria não padece e o filme termina nos dando a mesma agonia que proporciona no início. Finalidade? Talvez nos mostrar um retrato da marginalidade moderna através da figura de Nina. Uma menina “descente”, que chegou a cidade com grandes sonhos e que se viu longe de tudo o que esperava. O detalhe da “origem” boa de Nina fica claro na cena em que ela dá todo o seu dinheiro (roubado de um cego – detalhe!!) à uma mulher na rua que ela nunca viu. Então seria isso? Essa mescla de bondade e maldade que coexiste em Nina seria a essência do ser humano moderno? O quanto uma pessoa agüenta mantendo-se efetivamente com a alma boa dentro de todas as impossibilidades da vida? Até que ponto podemos oscilar entre ser bom e maldoso? Até onde conseguimos dar a outra face para outro tapa? Qual é o limite do ser humano? Essas são perguntas que Nina tenta desvendar e que não tem nada a ver com a tentativa de “Crime e Castigo”. Na minha opinião, se retirarmos algumas cenas e diálogos (exatamente iguais) entre as duas obras, um não tem nada a ver com o outro. Sorte do filme... Quando não conseguimos nos comparar, é melhor nos mantermos em outro patamar. Sendo diferente apenas, ainda pode-se ser bom.
Então... ninguém me falou mas eu já sabia que ia ser assim. Observar os outros é um grande adianto na vida pq conseguimos aprender o que não temos tempo suficiente para viver. Neste caso, observei e vivi. Cheguei a pensar que não viveria. Que era egoísta demais para uma vida assim. Que minha liberdade tomava asas impossíveis de retrair. Que Idiota! Eu queria ser assim. De longe, sou outra pessoa. Não sou livre, ao menos não no sentido Telma e Louise como idealizei. Me deixaria levar pela pol[icia assassina americana, mas não me jogaria no Grand Cânion. Além disso, não sou egoísta. Isso eu já deveria suspeitar já que passei a minha vida inteira fazendo de mim, coisas para os outros. Talvez essa seja a forma mais sutil de renegar o que se é: idealizar um outro ser e acreditar sê-lo. O que me assusta é q a pessoa que queria ser é horrível! E a parte engraçada é que só eu acreditava que eu era assim.

Reunião de amigas... 10 anos sem se ver... Unanimidade: “Ela continua a mesma! Ela sempre foi o meio, a interseção... a que cultivava a paz na terra entre os homens de boa vontade. Ela não grita, não briga... Ela nunca tiraria esse filho...” Só eu achava q eu era capaz de fazer isso???

Claro que não fui. Nessas horas é que a gente percebe que não dá para ser fictício toda a sua vida. O teatro ilusionista acaba quando a vida real lhe aparece. 22 anos, casada, dona de casa e com um filho maravilhoso no quarto do lado. E minha única reação de raiva acontece quando as pessoas me olham com aquele olhar de “Adolescente irresponsável que jogou sua juventude fora”. Alguém aí sabe q eu sou mais capaz de fazer isso do que qq grande mulher de 30 anos? Pela primeira vez sofro com preconceito na pele... Talvez um pouco parecido com o q o meu irmão sentia por ter 26 anos e não “trabalhar” ou estudar. Exemplo mor... liga o foda-se! Cada um sabe da sua capacidade.. E esse é o milagre do egocentrismo. Olhe para o seu umbigo, peite todo mundo e acredite, de verdade, de que vc é muito mais foda do que qq um na sua frente. Os físicos quânticos acreditam que o que vc faz com a sua mente é o que determina como vai ser a sua vida. Nesse caso, a energia que gerei quando acreditei que seria capaz de criar um filho me fez mais capaz de fazer isso do que seria naturalmente... nesse caso, meu irmão está em SP pq seu corpo atraiu aquela cidade.

O pequeno príncipe falou: “És eternamente responsável por aquilo que cativas”. Modernizo: És eternamente responsável por aquilo que desejas...
Ele estava lá. Mais uma vez me fitando. Com aquele mesmo olhar que tanto me assustou da primeira vez que o vi. A sensação era de medo. Não da mudança de planos, não da reviravolta ou do desconhecido. Ele me olhava e me dizia tudo, parecia saber demais sobre mim. Ele sabe demais. Isso é indiscutível. E, só em pensar que passarei o resto da minha vida a mercê desta enorme vulnerabilidade, petrifiquei. Assim como hoje. Já me conformei e desisti de fingir. Ele é muito que mais que um pedaço de mim e me prova sua consciência todas as vezes que me encara. Assim como hoje. Na sala, a jovialidade me espera. E eu aqui, trancada neste quarto escuro fazendo o que faço todos os dias, incansavelmente. E, mesmo assim, não tenho vontade de sair.
Ele me fita, continua me fitando. Se expressa da forma que pode e faz valer cada ditado popular. Um olhar vale mais que mil palavras. Um gemido ecoa a potencialidade de um grito... ou de um beijo... ou de um carinho. Ouvi certa vez uma especialista dizer que criamos a linguagem mas que não necessitamos tanto dela assim. Por mais que essa afirmação tenha um sentido muito exagerado, consigo entender o porque desse raciocínio. Nunca ninguém me agradeceu como ele... mesmo sem ter a menos noção do que a palavra obrigado signifique. O sentido de cada palavra está dentro de nós e não pode ser ensinada. Apenas instruímos nossos descendentes a traduzir seus sentimentos para que fique claro, para que seja polido. Mas, por mais que falemos eu te amos e muito obrigado por aí, é impossível falhar na sua significação. Não se mente com palavras quando os sentimentos são lidos e interpretados com a alma. Não perdemos esse dom quando crescemos, mas tentamos desfaça-lo, da mesma forma que aprendemos a mentir. Nos tornamos adultos e assim, convenientes, para que seja mais suave nossa digestão. Para que sejamos seres sociáveis e culturais.
De qualquer forma, ele continua me fitando. E eu, aprendo com cada segundo de olhar e brinco de interpretar, me redescubro desvendando sua pureza, sua sutileza. As palavras têm outro sentido agora. Um novo que, infelizmente - ou felizmente -, não sou capaz de traduzir.

Um sonho

Quando se deu conta seu peito explodiu. Do nada a sensação de vazio era tão grande que mal conseguia falar. Aos prantos saiu do quarto e deu com a visão de sua mãe arrumando o armário. Gritou muito. Precisava saber como ela poderia não sofrer aquela perda, justo ela, quem mais grita, quem mais sente. De repente agia friamente mediante a perda do próprio filho. Precisou contar o que tinha visto. Como um microfone em teste falhou a voz e entre um suspiro e outro contou... da tesoura... da multidão... de como havia tentado evitar e só conseguiu suspender o corpo dele do chão. Não consegui, mãe... me desculpa! Gritava muito com todo o peso da cobrança nas costas. E ela impecavelmente permanecia arrumando seu armário. Teve vontade de sacudi-la mas não pôde. Procurou algum espaço dentro daquela casa onde a dor fosse menor, correu muito e subiu as escadas buscando. Sempre buscando. Na cozinha, seu pai mexia na geladeira. O que estava acontecendo? Um colapso nervoso fez com que todos se metessem a arrumar a casa e ela se desfazendo. Soluçou e, de vagar, chegou perto. Pai... o que...? De repente viu. Lá estava ele, sentado sobre a bancada a rir. Ria de tudo e de todos. Como sempre debochava do dramalhão existencial que ela vivia. Ria leve, com a mesma arrogância de sempre, como o ar de quem controla sua vida. Quanto mais ria mais desespero brotava no peito dela. Refletidamente segurou seus braços leves e sacudiu numa tentativa desesperada de transferir sua dor para ele, de fazê-lo entender o que era aquilo tudo e pedir que ele levasse embora. Era tudo culpa dele e ele não se importava. A vida inteira foi assim. Ela o amava muito. Muito mais do que ele poderia um dia retribuir e ele nunca se importou. Debochava dela, ria de suas queixas. Contava crises e momentos, dava pequenos brechas de intimidade e ela se agarrava naquilo, na ilusão de que aquilo fazia dela uma pessoa vital. Não o era. Mas a relação unilateral sempre lhe bastara. Desde que eram pequenos. Nada daquilo existia. Apenas a dor visceral da perda. Sacudiu com toda sua força – mais uma ilusão em sua vida. Lhe disse: você não pode me deixar aqui sozinha! Quem vai entrar comigo na igreja? Sorriu e calmamente, como sempre, respondeu que nunca estivera tão bem. “Calma, cara... ta tranqüilo.. tu segura a onda”. Chorei. Chorei 2 dias consecutivos e até hoje choro a visão desta cena.
Certas perdas são difíceis de transpor.